quarta-feira, 30 de abril de 2014

TRAVESSIAS DA COR

O caminho mais difícil

30.04.2014

Presos por tráfico internacional de drogas, africanos tentam a travessia do pó, que tem em Fortaleza uma das últimas paradas antes da Europa

afro
Cornélius fez da alfabetização ao ensino superior dentro da penitenciária. O nigeriano tornou-se uma referência de egresso do sistema penal brasileiro
africanos
Carentes de defesa, condenados africanos Victor e Alfredo demoram mais na prisão
FOTOS: FABIANE DE PAULA
Escolher atravessar o Atlântico com drogas pode depender de o quanto essa atividade é tão mais errada quanto não saber se estará vivo no dia seguinte porque sucessivos golpes militares mantêm mais a administração do caos do que de um país.
E quando o desejo é ir embora, mesmo que para um dia voltar ao mesmo caos (desde que com dinheiro), levar alguns quilos de cocaína parece o passaporte para o sucesso. O fracasso desses descaminhos leva homens para o Instituto Penal Olavo Oliveira (IPOO) 2, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Para lá vão as "mulas do pó", como são consideradas, dentre outras, as pessoas usadas pelo tráfico internacional de entorpecentes. A África, um conjunto de 54 países, não produz e é o menor continente consumidor de drogas, mas a figura do africano é a mais associada quando o assunto é o narcotráfico.
O continente mais velho que o "Velho Mundo" europeu é mantido office boy da rota comercial secular em que a América oferece o produto que a Europa consome. Esqueça-se o café e a cana-de-açúcar dos séculos XVII e XVIII. Vem saindo quentinha e refinada a cocaína boliviana, que chega ao Acre, atravessa a Amazônia, aterrissa no Pará e segue para Fortaleza.
Para o destino seguinte, Cornélius não conseguiu embarcar. Nem Victor. Alfredo também não. São de Nigéria, Cabo-Verde e Guiné-Bissau, respectivamente. Caíram na cada vez mais fina malha da Polícia Federal. E no engano de achar que aeroportos menos movimentados não possuem os mesmos instrumentos de fiscalização.
A cor da condenação
A diferença que expõe os africanos em meio a tantos no Aeroporto Internacional Pinto Martins é a mesma que os iguala e esconde no IPPOO 2, onde predominam vários tons de negro.
Chegando ao Brasil, somente Victor Chukwueienek sabia falar português, língua oficial de Cabo-Verde. A Nigéria foi colonizada pela Inglaterra. Embora, em Guine-Bissau, a língua oficial seja o português, o crioulo ainda é falado pela maioria. Português é a língua da escola. Não frequentá-la, portanto, só aumenta o estigma de ser analfabeto. "Quando a pessoa não tem conhecimento, não tem Deus", diz Victor. Ele acusa "forças do mal" de terem-no levado para o narcotráfico, ofício que levou por dez anos, desde que foi demitido pelo Ministério das Relações Exteriores de Cabo Verde.

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