Milhares de pessoas ocuparam as ruas em todo o Brasil durante o dia de ontem contra o contingenciamento orçamentário determinado pelo Governo para as instituições federais de ensino superior. Com expressiva adesão, os protestos mostraram lacunas de diálogo com os setores sociais, além de um agravamento político interno na base do Governo Federal. Para pesquisadores, tanto contrários quanto favoráveis à medida, há completa inabilidade por parte de Jair Bolsonaro ao executá-la.
"O ensino superior tem muita relevância para a sociedade. As pessoas estudam muito para ingressar num curso, inclusive a classe média que vê a educação superior como instrumento de mudança no caso de áreas como Direito e Medicina. É inequívoco o peso da ciência que é produzida na instituição pública", explica Monalisa Soares Lopes, professora de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e integrante do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC). Conforme ela, esse é um dos fatores que explica a grande adesão que os protestos ganharam ao longo do dia.
A postura de polarização de Jair Bolsonaro não é recente. Em outras ocasiões o presidente já havia feito críticas às universidades públicas. Na tarde de ontem, durante entrevista concedida nos Estados Unidos sobre os protestos, ele esquentou ainda mais a situação ao chamar manifestantes de "idiotas úteis" e "massa de manobra". "A maioria ali é militante. É militante. Não tem nada na cabeça. Se perguntar 7x8 não sabe", disse. Num governo em que antes, o ministro Abraham Weintraub falara de "balbúrdia" nas instituições.
Para Rui Martinho, articulista do O POVO e professor de Ciências Políticas, não há uma boa comunicação por parte do governo e a situação econômica desfavorável dificulta a articulação política. "O ministro da Educação começou usando a palavra corte em vez de contingenciamento, disse que iria cortar onde tem balbúrdia, e de fato não é isso, é onde o dinheiro não dá. Ele começou totalmente errado e não surpreende que haja uma mobilização grande", avalia. Segundo ele, a inabilidade aliada às manifestações repercutem no Congresso. "Ele se colocou numa situação difícil, porque se recuar pode violar o teto constitucional das despesas, e se não recuar, enfrentará uma situação politica delicada".
Tudo isso, porque independentemente da necessidade ou não de corte, a educação é uma pauta que supera as esquerdas e as críticas de cunho ideológico em torno dos cortes têm causado desconforto no parlamento. "No geral, os governos quando precisaram fazer isso o fizeram de formas mais subliminares e não se utilizam de um ato político ou discurso ideológico porque entendem que essa é uma pauta sensível", explica Monalisa.
Helcimara Telles, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, diz que o Governo coloca sua base aliada em situação "constrangedora". "Ele têm sido derrotado o sucessivamente no Congresso e essa declaração atiçou ainda mais os ânimos dentro da Câmara dos Deputados porque um ataque à Educação é algo que não foi feito por nenhum presidente de forma tão clara,mesmo aquele que reduziram recursos", considera. E completa: "ele obriga a sua própria base a fazer a defesa do indefensável. Com esse tipo de comportamento ele constrange seus próprios aliados a chamar manifestantes de burros, que são professores universitários, a massa intelectual do País".
Ela fala ainda que a base mais próxima de Bolsonaro não terá forças para articular com a base aliada de políticos experientes "que certamente pretendem se reeleger".
Questionados sobre a possibilidade de as manifestações impactarem alguma mudança nas decisões do Governo, os pesquisadores afirmaram que, devido às instabilidades, não há como prever um passo seguinte.
O governo foi alvo, ontem, dos primeiros grandes protestos de rua. Manifestações foram registradas em cerca de 240 cidades do País contra bloqueio de recursos no orçamento da Educação ganharam um contorno mais amplo de críticas à atual gestão. O movimento preocupou o Palácio do Planalto, pela avaliação de que as passeatas, em princípio convocadas contra o ministro da Educação, se transformaram em atos de peso contra o governo.
Os maiores eventos aconteceram na Avenida Paulista, em São Paulo, e na região central do Rio. Centrais sindicais deram suporte para as manifestações. O presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, avaliou que houve "exploração política" das manifestações.
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