Numa terra que carece de água, chuva é bom presságio, é terra molhada, é Caatinga verde, é alegria de menino debaixo de bica. A chuva é acalanto e, para as bandas de cá, é mais: é parte do que é ser cearense. Gostar do dia branco é identitário. E hoje, nesse 19 que se celebra o padroeiro São José, é desses dias que a esperança sertaneja que se acumula no coração sangra feito açude cheio.
"A chuva é sempre benfazeja. No Ceará, é prova da existência e da misericórdia dos deuses. Eu ousaria parafrasear o samba e dizer que no Ceará, quem não gosta de chuva 'é ruim da cabeça ou doente do pé'. A chuva é a esperança de dias melhores", deságua o professor, jornalista, escritor, pesquisador e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, Gilmar de Carvalho.
Com uma cultura que remete às secas cíclicas, o apreço pela chuva é forte no Interior, mas se derrama também pela Capital. Gilmar chama Fortaleza de "a maior cidade sertaneja do Brasil" e acredita que, apesar do apagamento que vai sendo feito dos símbolos do sertão, a chuva sobrevive como uma "paixão arraigada".
"Não conseguimos abrir mão deste sentimento tão forte. É herança sertaneja, sim, trazida pelas rezadeiras, pelas histórias de 'trancoso' que nos contavam à noite, pelos sinais de chuvas, antecipadas pelas pedras de sal colocadas no parapeito das janelas. Este afeto pelas chuvas se espalha, em meio a trovões, relâmpagos, raios das tempestades ou a chuvinha fina, 'sereno', que faz pouco barulho e molha ainda mais o chão que nos acolhe e que um dia vai nos receber 'severinos'", sentencia.
Nome de livro de Gilmar, "bonito pra chover" é expressão que sintetiza o afeto do cearense pelo pelo céu carregado. O professor acredita se tratar de expressão antiga que tem, para ele "uma musicalidade forte e remete a cenários caleidoscópicos". "Traz a evocação das nuvens que escurecem de repente e se tornam de chumbo. As nuvens do 'bonito pra chover' não são ameaçadoras, trazem os melhores presságios. São nuvens do bem, da fertilidade, da abundância".
Junto a chuva vai se entrelaçando a fé, tanto que São José se confunde com a chuva no discurso do sertanejo. Diácono da Paróquia de São José do bairro Edson Queiroz, Erinaldo Cordeiro de Aquino, afirma que hoje, com a evolução da ciência, se sabe o porque da chuvas no dia de São José (equinócio de outono). "Mas a fé se sobrepõe a isso. O sertanejo cearense acaba por transferir a fé e a afetividade da chuva para o santo". Carpinteiro, operário, ligado à família, o santo vai sendo espelho para o povo. "Tentam racionalizar nossa imaginação dizendo, cientificamente, que as chuvas vêm por conta do equinócio de outono. Continuaremos a acreditar no mistério e a ver a mediação de José, como índice de sua santidade e loucura", acredita Gilmar.
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