A maioria dos personagens a seguir terá preservado os nomes, a imagem e a identificação do presídio onde vivem (ou viviam) os maridos ou filhos presos. Como a greve dos agentes penitenciários do Ceará, no último fim de semana, resultou na “pena de morte” para 18 detentos em seis presídios rebelados da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), sigo o apelo de quem se dispôs a falar, para não arriscar mais ainda a vida de quem escapou e está cumprindo pena no inflamável sistema prisional cearense.
Foi um acerto de contas entre presidiários, com decapitações, carbonizações e outras formas lamentáveis de tirar a vida do próximo. O grito, por escrito e assinado pela promotora Camila Gomes Barbosa e mais 11 integrantes do Conselho Penitenciário do Ceará, é tão ruidoso quanto imaginar o dia de terror em que presos e facções inimigas se aproveitaram do vácuo de irresponsabilidade do sindicato dos agentes penitenciários para eliminar desafetos.
“Meu irmão ainda ligou pra mim no sábado. Disse que tava tudo escuro, tava com fome e com medo num canto da cela”. Foi rápida a conversa entre ela e o caçula de três irmãos. Deu tempo, ainda, lembra a moça, de ele insistir que a “amava muito. Amava também o filho de 9 meses e a esposa”. Depois desligou o celular e “deixou todo mundo doido lá em casa”. Fazer o quê?
No mesmo sábado, conta a irmã, o rapaz de 23 anos de idade e uma condenação de 15 anos por homicídio, recebeu uma sentença extra judicial. Pela lei da cadeia, teve decretada sua morte. Das muitas versões sobre seu fim, apenas uma certeza: “foi queimado vivo”. No mesmo lugar, dois estupradores tiveram igual destino.
Falta agora, explica a moça, esperar que o teste de DNA confirme que um dos corpos carbonizados durante o fim de semana de horror seja dele. “Não tem como não ser. Não ligou mais e era muito conhecido na prisão porque muita gente tinha raiva dele e das companhias erradas com quem se juntou. Foi vingança”, engole o choro. “Minha mãe só chora”. Daqui a um mês, provavelmente, receberá o corpo calcinado do filho que “não costumava ouvir conselhos dela”. Falta ainda essa etapa para expiá-lo.
Preso provisório
Dos cerca de 25 mil encarcerados do universo penitenciário cearense, pelo menos 15 mil são provisórios. Dados do Conselho Penitenciário atravessam a história de um jovem, réu primário, que aguarda há um ano que a Justiça decida por sua condenação e o tempo que terá de tirar no presídio. No sábado das mortes, ele falou com a esposa por telefone (quase todos têm celulares) para dizer que, no caos da quebradeira e morte rondando, estava “bem”, dentro do possível.
O moço, de 21 anos, foi flagrado fazendo “rebolo”. Gente livre que os bandidos contratam na comunidade para ir até as muralhas das penitenciárias e “rebolar (arremessar)” pacotes/encomendas para quem está dentro do presídio. “Deu errado e prenderam em flagrante. Tinha maconha e outras coisas”. A vida dela, de 28 anos, três filhos e pouco estudo, virou um pesadelo. “Tive que vender minha casa pra ele pagar pra continuar vivendo depois de preso”, conta.
O esposo de outra jovem, na verdade uma adolescente, também mandou notícias pelo telefone. “Estou bem”. Em dez meses de prisão, foi preso assaltando, talvez tenha nascido de novo no último fim de semana. “Domingo (na visita), vou saber”, disse-me a menina.
Saiba mais
O POVO solicitou, na última segunda-feira, 23, entrevista com Hélio Leitão, secretário da Justiça do Ceará (Sejus). A assessoria de imprensa da Sejus informou que ele não falaria ao jornal.
Ontem, pediu que Hélio Leitão respondesse às críticas do Conselho Penitenciário. A assessoria afirmou que o secretário não comentaria.
O POVO também vem tentando entrevistar Valdemiro Barbosa, presidente do Sindicato do Agentes Penitenciários do Ceará. Ele não atende telefones nem responde recados na caixa postal.
Além da promotora Camila Barbosa, assinaram a nota: Claudio Souto Justa, Maria Mendes Evangelista padre Marco Passerini, Andréia Magalhães, Márcio Vítor Meyer, Luiz Carlos Oliveira Júnior, Lino Marques dos Santos Carvalho, Nestor Eduardo Araruna Santiago
Orlando Bezerra Monteiro e Ruth Leite Vieira.
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