domingo, 31 de janeiro de 2016

Dilson Pinheiro. "Não podemos tirar do nosso bolso"

Dilson Pinheiro, fortalezense e folião, tem uma relação intrínseca e profunda com o Carnaval. Durante a infância, acompanhava o pai, o repórter fotográfico Geraldo Oliveira, nas coberturas. Para ele, Fortaleza é, sim, um reduto que nasceu para viver a alegria. Ele pondera que o Carnaval nunca foi deixado de lado por quem aqui habita - seja na faixa litorânea ou no vizinho Pernambuco, um dos destinos mais escolhidos. Hoje - depois de passar por blocos, maracatus e escolas de samba - ele coloca na rua o Num Ispaia Sinão Ienche. É vendendo camisetas, contando com apoio do poder público e, às vezes, custeando a festa com o próprio dinheiro que mantém o bloco no Carnaval e no Pré.

Em entrevista concedida ao O POVO, durante a última semana, Dilson reafirmou a importância do Pré-Carnaval como mola propulsora e como grande incentivador do Carnaval na Capital. “O Pré fez com que as pessoas ficassem em Fortaleza e hoje estão alimentando o Carnaval”, conclui. Para ele, apesar do incentivo do poder público, os fortalezenses que encabeçam a folia ainda não têm o apoio necessário para realizar a festa com tudo o que deveriam ter direito.

O POVO - Quais suas principais memórias de Carnaval?
Dilson Pinheiro - São lembranças maravilhosas, porque meu pai fazia essa cobertura do Carnaval. Ele era fotógrafo, trabalhava no Correio do Ceará. Ele me levava e sempre me encantei pelo Maracatu, principalmente. Mas também com os cordões, lembro demais dos cordões da Coca-Cola, da Loja do Frevo. Mas nessa época o Maracatu ainda me encantava mais - o Az de Espadas, o Rei de Paus, a Turma dos Camarões. Já adolescente, com 14 ou 15 anos, já ia para os clubes brincar Carnaval. E já gostava de usar adereços, enfeites.

OP- Foram anos de muita grandiosidade para o Carnaval de Fortaleza?
Dilson - Houve sempre uma história de venda e propaganda da cidade de Fortaleza como repouso durante o Carnaval. Quando eu era jovem existia um Carnaval maravilhoso no Centro, na avenida Dom Manuel era um espetáculo. O pessoal fantasiado. Existia também o mela-mela. O grande palco era o Centro. Os maracatus têm uma magia muito envolvente. E o povo daqui se acostumou. Um carnaval de quase 70 anos, ou mais. Não existia o Pré-Carnaval. Muita gente achava -quem fazia Carnaval, principalmente - que o Pré acabaria com o Carnaval. Foi provado que é ao contrário. Pelo contrário, o Pré fez com que as pessoas ficassem em Fortaleza e hoje estão alimentando o Carnaval. 

OP - Mas o Carnaval de Fortaleza teve um hiato?
Dilson - E longo. Era uma estratégia dos departamentos de turismo de afastar o folião de Fortaleza e vender Fortaleza lá fora como uma cidade de repouso. É um raciocínio lógico: tem milhões de pessoas que gostam de Carnaval, todas as cidades litorâneas faziam Carnaval. Fortaleza era a cidade bonita, com praias bonitas, com uma boa rede hoteleira, gente hospitaleira e que não aparentava ter grande movimentação no Carnaval. O governo incentivava tanto essa ida do folião fortalezense para o litoral que, em algumas praias, o Carnaval foi estragado. Hoje, ainda é dado um incentivo para as pessoas migrarem para esses outros locais, mas com menos força. Porque, hoje, não tem mais jeito: foi provado que Fortaleza é uma cidade carnavalesca e teremos que conviver com isso. 

OP - E quando a Cidade deu esse estalo, esse despertar?
Dilson - Há 35 anos. Coloco como marco o bloco Periquito da Madame. Só ele resolveu? Não. Mas a criação dele deu uma ideia para as pessoas, foi o precursor. A mola propulsora. O “Periquito” era fechado no clube e depois ia para a rua. E aqui o povo gosta de rua, sim. Depois apareceu o Peru do Barão, um trio pequeno. Depois fizemos o Bandão de Iracema e, no mesmo ano, começou a movimentação para juntar a bateria da escola de samba Girassol. E ninguém pode esquecer o Que Merda é Essa? saiu em cortejo pela Beira Mar. No outro sábado, novamente. E no outro, e no outro. E já oficializou o bloco: O que Merda é Essa? O nome por conta da ditadura e das situações que estavam acontecendo no País. A expressão foi de protesto. Eu e meu irmão, o Gege, não participamos da fundação. Mas no ano seguinte fomos como foliões. Meu irmão começou a organizar. Isso tudo foi nos anos 1980. Do Que Merda é Essa? surgiu o bloco Cheiro. O Pré-Carnaval foi o que realmente impulsionou e acabou com essa mentira de que o fortalezense não é carnavalesco. Se o fortalezense não fosse, não encheria Olinda e as praias do nosso litoral. Temos um espírito moleque. 

OP- Mas de uns cinco anos para cá foi um estrondo maior no Carnaval de Fortaleza?
Dilson - Acredito que de uns dez anos para cá ou até mais um pouco. Puxando para a minha sardinha (risos). Já existia o Que Merda é Essa e o Cheiro. Depois vieram outros blocos e outras iniciativas boas. Mas acho que o Quem é de Bem Fica deu uma contribuição importante. E eu fico vaidoso porque fui eu que fundei. Inclusive, o nome foi criação minha. 

OP - E qual foi o papel do poder público nesse ressurgimento do Carnaval de Fortaleza?
Dilson - As prefeituras, desde a gestão do Juraci (Magalhães, ex-prefeito), estão fazendo uma coisa interessante: não estão “inventando a pólvora”. Eles não impõem como é o Carnaval, mas reconhecem os polos. Sabem que tudo aquilo vem da sociedade civil. Não tem uma gestão que pode dizer que tem o DNA. Foi apoiado o Carnaval que já existia - com o DNA do povo. Eu acredito que algumas pessoas que inventaram essa brincadeira do Pré, e o Pré está alimentando o Carnaval. O Jean e o Licoln no Periquito da Madame. Isso nós temos que reconhecer. Mas não podemos dizer que esse ou aquele governante propôs mais, influenciou mais, direcionou a brincadeira. O que foi realizado, muito acertadamente, foi reconhecer o trabalho que já estava sendo feito pela sociedade civil, pelos brincates da Cidade, por quem já gostava de Carnaval e tinha sangue carnavalesco. Foi fomentado e fortalecido onde já existia adesão. Isso é reconhecer. Ninguém precisou inventar a pólvora, foi só fomentar onde já existe. Então, estamos com essa brincadeira linda pela Cidade.

OP - E qual o papel da iniciativa privada?
Dilson - Ela entra, mas ainda está tímida. Ajuda muito. Mas a iniciativa privada poderia entrar mais. Acho que tem que haver melhor ordenação e mais diálogo também. Tem alguns hotéis na Praia de Iracema que se sentem prejudicados, por conta do movimento que fecha a rua. Acho tímido o apoio oferecido pela iniciativa privada, podemos estreitar ainda mais esses laços. 

OP - O senhor acha que o investimento deveria ser maciço? Como no Réveillon, por exemplo.
Dilson - Ainda acho que essa timidez dos órgãos públicos é em virtude de não fazer Fortaleza bombar no Carnaval. Aquele pensamento de “não pode ficar muito grande”, para ter esse espaço para as pessoas que vêm para descansar. Acho que ainda tem isso. Ou, senão, nosso Carnaval ia dar mais gente que no Réveillon. Colocando atrações boas, bandas grandes, orquestras grandes. Não tinha perigo. Essa estrutura, eu acho relativamente tacanha. Se fosse no aterro, com segurança e estrutura, seria a mesma multidão no Réveillon. É bom no aterrinho, mas é pequeno. Muita gente não vai porque é pequeno. A parte boa, tudo tem uma parte boa, é fomento para os bairros. Tem blocos que recebem inventivo em vários pontos da Cidade. Mas, se abrir a torneira da alegria em Fortaleza, o povo daqui ia adorar e seria uma festa de proporções gigantescas.

OP - O pessoal do maracatu é reconhecido por ser guerreiro, eles vivem ano após anos com dificuldade orçamentária. Eles precisariam de mais recursos?
Dilson - Deveria haver mais investimento. Com todo respeito aos blocos. Mas o maracatu exige mais. Não tem coisa que encante mais ao turista e ao fortalezense do que o maracatu. O blocos são legais, os afoxés são maravilhosos. Mas são os maracatus que levam o público para a avenida. Muita gente diz de maneira errônea que não é Carnaval. Mas para o nosso Carnaval, é. Teria, sem discriminação, que existir mais apoio para o maracatu. A dificuldade deles é grande. E a necessidade da beleza plástica também. Antes, haviam os carros alegóricos simbolizando a escravidão e precisam voltar para a avenida. Carros alegóricos bonitos que eu via na infância. Plasticamente é o mais bonito. As pessoas de maracatu são humildes. Tem gente que tira do próprio bolso para ajudar. Mas não podemos tirar do nosso bolso para fazer uma festa para a Cidade. Eu tento não fazer isso. Mas todo ano é preciso, nem que seja um pouco.

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