domingo, 11 de outubro de 2015



Os impactos da crise política no Brasil vão além da esfera econômica. Mais que a alta do dólar e o aumento da inflação e do desemprego, é a reação dos eleitores que deverá ter o papel mais crítico, podendo impactar no resultado das próximas eleições. O POVO buscou entender como o conturbado cenário tem afetado os cidadãos. As expectativas e reações variam de acordo com o gênero, os ideais, a classe social e a idade de quem seja provocado a falar.

Entre uma eleição que ainda não acabou, que foi a de 2014, e uma outra que ainda irá acontecer, em 2016, a cabeça do cidadão fica espremida por um cotidiano político que ameaça afetar seu ânimo de eleitor. Nas ruas, observa-se um sentimento dividido. Há os que se sentem desestimulados a votar, diante de tantos escândalos e maus exemplos da classe política, mas também existe quem considere o cenário um fator de motivação maior para buscar fazer escolhaa mais conscientes. Há também os desiludidos por questões ideológicas, claro, e os que aproveitam para lembrar de um tempo em que os políticos pareciam mais confiáveis.

Os depoimentos colhidos e apresentados na próxima página mostram um forte acompanhamento do desgastado quadro político nacional. A questão é: isso levará a escolhas melhores no futuro? Só o tempo será capaz de dizer.

IDENTIDADE

Esquerda no poder e a desilusão
Os recentes escândalos do PT, as reformas do Governo e os acordo com aliados para tentar recuperar a governabilidade têm decpcionado os esquerdistas que tinham, no partido, um referencial para seus ideias militantes. “Me sinto sem identidade política. No âmbito local, por mais que eu queira me amparar no Psol, não consigo. Pois como eleitora do PT eu só consigo pensar que já vi esse filme antes”, desabafa a psicopedagoga Bárbara 

Diniz, de 29 anos.
Ela explica que a decepção com o PT vai além da corrupção. “É algo que alcança o débito com os movimentos sociais e os cortes na educação pública, uma das principais bandeiras que levantei em defesa do Governo”, conta. Bárbara se apressa em esclarecer, entretanto, que o sentimento não é de arrependimento porque as mudanças sociais “são inegáveis”. 

O engenheiro aposentado Fernando Accioly, de 80 anos,rompeu com o direitismo da família tradicionalista para seguir lemas da esquerda. Depois do Mensalão e da Lava Jato, ele passou a se sentir encurralado, sem opções para votar. “Aquele pessoal que a gente pensava que eram idealistas se tornaram verdadeiros picaretas”, lamenta. Fernando, ressalta, no entanto, que não se arrepende de ter acreditado no movimento, só deseja que pudesse ter feito mais por ele.

“As únicas coisas boas foram essas operações mostrarem a cara dos políticos, que sempre foram corruptos, de forma geral”, diz. Apesar da desilusão, ele segue votando em quem classifica como “candidato menos ruim”. De acordo com os entrevistados, a esquerda continua viva, mas sai fragilizada da crise política, com o desafio de se reconstruir no Brasil.

“Por mais que queira me amparar no Psol, não consigo. Como eleitora do PT só consigo pensar que já vi esse filme antes”

Bárbara Diniz, 28, psicopedagoga

EMPRESÁRIOS
Olhar otimista de quem sofre os efeitos da crise A cultura da sociedade passa a ter efeitos colaterais na democracia e, por consequência, pode enfrentar tumultos como o que vivemos neste momento. A opinião é do empresário Heitor Freire, que acredita que todo governo seja um reflexo da sua população. “É um momento de reflexão para os brasileiros. Temos que nos manifestar, claro, mas precisamos avaliar nossa conduta no dia-a-dia. Vale a pena votar em quem tem uma ficha limpa e bom histórico e em novos políticos. É hora de rever o jeitinho brasileiro que tenta burlar todas as regras”, argumenta.

Alinhado à direita, ele não se sente representado pelos partidos existentes. A reforma política, segundo Heitor, deve trazer inúmeros benefícios nas eleições de 2016. “Eu acredito que toda mudança é positiva, vai quebrar um pouco o sistema que já está instalado na política atual e quebrando esse sistema pode dar oportunidade a outros. Em geral, eu vejo com bons olhos”, diz.

Diante dos percalços enfrentados pelo mercado, o empresário do ramo de iluminação não quer se render ao pessimismo. “A primeira lição que 

devemos aprender para o futuro é não deixar um partido ou grupo dominar a política por muito tempo. A alternância é saudável”, avalia. 

Para o presidente do Sindialimentos (patronal), André Siqueira, o fortelecimento da Polícia Federal e do Ministério Público podem inibir novos casos de corrupção. Ele também está otimista sobre o que virá, mas sente falta de um líder. “Não temos mais uma figura de líder como o Lula foi um dia. Apesar de decepcionar, ele trazia a esperança. Temos alguns bons políticos, mas precisamos de quem nos inspire”, conclui.

“Vale a pena votar em quem tem ficha limpa e bom histórico, em novos políticos. É hora de rever o jeitinho brasileiro, de tentar burlar as regras”

Heitor Freire, empresário

CANSAÇO

A perspectiva de eleitores de outros tempos Aos 103 anos de idade, o advogado, ainda atuante, Raimundo Felício Neto (foto), já não precisa participar das eleições desde que completou 70 anos, quando a lei o dispensou da obrigatoriedade do voto. Mesmo assim, ele faz questão de ir às urnas a cada dois anos.

“Quero ajudar a melhorar essa situação, escolher candidatos melhores. Está muito ruim. Bom era no tempo de Raul Barbosa, Virgílio Távora, era muito melhor. Hoje está um desmantelo, só tem ladrão”, lembra. O saudosismo é contestado por um amigo que senta ao lado dele na Praça do Ferreira: “Sempre foi ruim, não é de agora”. Ele discorda e repete que sente saudades da política de outrora.

O principal motivo para a decadência do sistema, segundo Raimundo, é a educação precária. “E falta rezar também”, completa. Para o advogado, o Congresso já não consegue representar a população, está entregue aos interesses individuais dos parlamentares.

Já o operário aposentado Expedito Francisco da Costa, de 75 anos, contou os dias para deixar de ser obrigado a votar. Cansado das desilusões com a política, ele se sentia obrigado a comparecer ao cartório eleitoral. Desde o governo Tancredo Neves passou a anular ou votar em branco. “Parece que depois que entram na política, a coisa fica baldeada. É muita demagogia, promessas não cumpridas”, lamenta.

Pouco pode ser feito para que ele recupere a vontade de participar do pleito. “Somente ele (Tancredo) fez por nós, operários, e o resultado é que mataram meu candidato. Depois disso, nunca mais confiei em ninguém”, lembra. O alívio de não precisar mais votar se traduz também em angústia e impotência. “Apenas assisto a palhaçada da política”, encerra a conversa e vira para o lado.

Frase

“Bom era no tempo de Raul Barbosa, Virgílio Távora. Hoje está um desmantelo, só tem ladrão”

Raimundo Felício Neto, 103, advogado

ESPERANÇA
Nova geração aceita responsabilidade de liderar mudança
Em 2014, numa das campanhas mais acirradas e cheias de reviravoltas do País, o estudante de ensino médio, Artur Marques, 17, e a universitária Janaína de Sousa (foto), 18, estrearam como eleitores. Os dois tiraram o título antes de completar 18 anos, idade do voto obrigatório.

“Eu acredito que cada voto conta”, justifica Janaína. Já Artur responde que queria se legitimar como cidadão. A juventude que viveu a maior parte da vida no governo do PT ainda acredita no poder da urna e aceita a responsabilidade de mudar o Brasil. Mais que culpar os políticos, eles tendem a se sentir protagonistas da história. A família de Janaína perdeu o Bolsa Família e ela, o Fies. Para a estudante de contabilidade, a maior decepção que teve com seus antigos candidatos foram os cortes na educação que ela tanto confia para um futuro mais próspero. Os heróis de outros tempos, que ajudaram seus pais, hoje assumem papéis de vilões para a moça. “Espero dar chance para quem queira trazer propostas novas. Com certeza, na próxima eleição, vou pesquisar sobre os candidatos com mais cuidado”, planeja.

Em vez de afastar Artur da política, os escândalos de corrupção o deixaram cada vez mais interessado no tema. “Em virtude dessa crise, jovens como eu já querem se engajar nos movimentos. As manifestações de março são a prova disso”, argumenta. Ele, um conservador, gosta de ler sobre o assunto para debater com os professores da escola, apresentando pontos razoáveis e ampliando a discussão. Sobre a presidente Dilma Rousseff (PT), Artur pondera: “Sou a favor do impeachment, a partir do momento em que é comprovado um crime, inclusive, isso também é válido para os políticos conservadores, como Eduardo Cunha (PMDB)”.

Frase
“Espero dar chance para quem queira trazer propostas novas. Na próxima eleição, vou pesquisar os candidatos com mais cuidado”

Janaína de Sousa , 18, universitária

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