Órgãos federais não precisarão mais de ordem judicial para desocupar prédios e terrenos públicos, segundo orientação da Advocacia-Geral da União (AGU). A medida foi tomada a partir de parecer produzido pela Consultoria-Geral da União (CGU) em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer.
Desengavetada e aprovada, em fevereiro, pelo advogado-geral da União, André Mendonça, a determinação deverá ser observada por toda a administração pública federal. Questionada dos motivos que levaram à decisão, a assessoria da AGU não enviou respostas nem disse se a decisão já pode ser efetivada em casos correntes.
Pelo parecer, "administradores e demais responsáveis por bens imóveis da Administração Federal" terão como responsabilidade "prevenir e repelir sua invasão, ocupação, cessão, locação ou utilização diversa da sua destinação legal, contratual ou administrativa e, para os fins de manter-lhes a integridade patrimonial e a continuidade dos serviços públicos a que destinados".
Antes da determinação, os gestores deveriam pedir à AGU para ajuizar uma ação de reintegração de posse. Agora, a orientação é que os responsáveis pelo prédio ou pelo terreno pertencente à União "deverão requisitar força policial federal e solicitar o auxílio da força pública estadual. Poderão ainda, de acordo com regulamento específico, solicitar a cooperação da força militar federal", informa o parecer.
O professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, Felipe Braga Albuquerque, explica que a decisão encontra respaldo legal no direito administrativo, que compreende que "os atos de administração pública são autoexecutáveis" e, portanto, "não precisam do Poder Judiciário". Contudo, segundo Tiago Félix, membro da Comissão de Políticas Urbanas e Direito Urbanístico da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Ceará (OAB-CE), isso não é pacífico entre especialistas.
Segundo Félix, há duas correntes quando se trata dessa questão. A primeira é a de que o "Estado tem autoexecutoriedade e, por isso, não precisa pedir autorização judicial", enquanto a segunda afirma que a administração pública "tem que pedir auxílio judicial quando não conseguir resolver de maneira pacífica". Ele explica que a OAB-CE ainda não discutiu a questão e, por isso, não tem um posicionamento enquanto entidade.
No Ceará, um dos locais que pode ser afetado é o Acampamento Zé Maria do Tomé do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Localizado na Chapada do Apodi, no município de Limoeiro do Norte, as terras ocupadas há quase cinco anos por, pelo menos, 6 mil famílias pertencem ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).
Maria de Jesus dos Santos, membro da direção estadual do MST, considera a determinação da AGU "totalmente ilegal". "É uma forma de criminalizar a luta. Esse governo quer tratar um problema que é social na base da repressão", critica ela.
Doris Soares, da coordenação estadual e nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) concorda que esse é mais um passo do governo de Jair Bolsonaro na "criminalização de movimentos sociais", que o presidente já anunciava desde a campanha. "A nossa luta é uma luta democrática. (Existe) Uma demanda e esse governo deveria conversar e não rechaçar", defende.
Para Maria de Jesus dos Santos, a ação é grave também por tentar impedir "o direito a se manifestar, previsto na Constituição". Para Felipe Braga, essa é a falha do parecer da AGU. Para o professor, o documento "poderia ter abordado o diretor de liberdade de atos políticos que podem ensejar ocupações em prédios públicos e que, nestes casos, o diálogo seria a primeira ferramenta de solução de conflito".
A reação do Estado às ocupações
Precedente
> Em 2016, devido à onda de ocupações realizadas por estudantes em escolas por todo o Brasil, o governador de São Paulo à época, Geraldo Alckmin (PSDB), tomou decisão semelhante a de Jair Bolsonaro.
> A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo realizou orientação aos órgãos estaduais para que prédios públicos fossem desocupados, utilizando força policial, sem a necessidade de ordem judicial.
DISCURSO
> O presidente Jair Bolsonaro mesmo antes de ser eleito já tinha atacado movimentos sociais que utilizam da ocupação como instrumento político, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Estes foram caracterizados pelo então candidato como "bandidos".
> Ainda em 2018, pouco após a eleição, Bolsonaro afirmou que não haveria diálogo com "movimento social que invade propriedade" e afirmou que a intenção era tipificar atos como esse como "terrorismo".
ISENÇÃO
> No último dia 29/4, o presidente Bolsonaro anunciou que enviará ao Congresso projeto de lei para isentar da punição produtores rurais que atirarem contra invasores de terra. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, contudo, afirmou que "é prematuro discutir essas questões".
Dados
O POVO tentou confirmar o número de prédios e terrenos públicos que estão atualmente ocupados no Ceará. A AGU e a Secretaria do Patrimônio da União não responderam ao questiona-mento, enquanto a Defesa Civil do Estado informou não ter os números.
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