segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Menos financiamento, menos matrículas

Sem crédito para financiar um curso no ensino superior e com o aumento do desemprego, o sonho de ingressar numa universidade ficou mais difícil para milhares de brasileiros. A crise econômica, com redução de investimentos no Programa de Financiamento Estudantil (Fies) do Governo Federal, representa queda significativa no número de matrículas em todo o Brasil. Só no primeiro semestre deste ano, 80 mil alunos deixaram de ingressar em faculdades particulares de todo o País, o que representa uma diminuição de 5% em relação ao mesmo período de 2017. Os dados são do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp). No Ceará, a realidade é ainda mais preocupante, segundo o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe-CE): do segundo semestre de 2015 até o primeiro semestre de 2018, as matrículas reduziram em 15,48%.

"Isso é um número exagerado para um estado pobre. A nossa média de taxa de matrícula do público de 18 a 24 anos, que é o recomendado para estar no ensino superior, é muito mais baixa do que o percentual nacional", afirma o presidente do Sinepe-CE, professor Airton Oliveira.

Ele afirma ainda que, neste mesmo período, a evasão em instituições de ensino privado foi de quase 25%. "Em 2014 essa baixa (de matrículas) quase não existia porque havia uma oferta muito grande do Fies".

De acordo com dados apresentados na quarta-feira, 22, no Seminário de Ações Digitais na Educação Brasileira, promovido pelo Semesp, o número de ingressantes em cursos presenciais nas instituições de ensino superior no Ceará registrou queda de 9%, passando de 58 mil em 2015 para 53 mil em 2016. Na Região Metropolitana de Fortaleza a redução foi de 8%. No cenário brasileiro houve recuo de 4,9% no período.

Os números acompanham a queda na quantidade de contratos do Fies firmados no Ceará. Enquanto que em 2014 foram assinados 32.548 documentos de financiamento, em 2017 o número foi reduzido a 11.630, pouco mais de um terço do total anterior. Em percentuais, a baixa é de 64,26% nos contratos. Os anos de 2018 e 2019 não apontam perspectiva de aumento neste número.

"A cada semestre é assim: os valores aumentam e eu faço um verdadeiro malabarismo para manter os meus estudos", conta Virna Oliveira, 23, estudante de Odontologia. As manobras dessas tentativas incluem já ter mudado de casa, ter pedido dinheiro emprestado, alterações nas disciplinas, cotas de familiares para fechar a conta do semestre Tudo isso para percorrer até o fim o sonho de se formar e atuar profissionalmente na área. A estudante, que está no 9º semestre do curso, sente cada vez mais os impactos dos custos da mensalidade.

Desde que resolveu trancar a graduação em Enfermagem e se transferir para outra instituição, Virna perdeu o Fies, que cobria 100% dos custos durante a execução do curso. Ela ressalta que, além dos custos da mensalidade que já são altos por se tratar de um curso na área de saúde , há ainda as despesas de material didático, alimentação, transporte e kits de equipamentos obrigatórios.

"Tudo isso é muito complicado, mas mais complicado é ver que muitos dos meus colegas que também perderam financiamento ou nem conseguiram fazer simplesmente não conseguem permanecer no curso. Largam mesmo. Tive amigos que saíram depois de terem aguentado até o meio da graduação. Isso é muito triste", lamenta.

Segundo ela, a instituição onde estuda atualmente conta com financiamento próprio, mas o requisito é que o estudante tenha um fiador que possua salário três vezes maior que o valor da mensalidade. "Não tem ninguém na minha família e no meu círculo que tenha essa renda", diz. Ainda assim, apesar das dificuldades, ela sente que a jornada que tem encerramento próximo deve trazer um bonito projeto de futuro pela frente.

No Brasil, o ano de 2017 teve o menor número de vagas ofertadas com Fies em seis anos, com 225.000 contratos nos dois semestres. E 2018 não deve ser diferente. O Governo anuncia somente 155 mil vagas, número quase cinco vezes menor que as 730 mil ofertadas em 2014.

Neste ano, a situação é ainda mais delicada porque só 50 mil são a juros zero, como eram todas as outras vagas nos anos anteriores. As outras 105 mil vagas estão suscetíveis a juros de até 3,4%.

Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, reforça que a crise econômica aliada à redução do financiamento foram definidoras para a redução do ingresso de alunos e o aumento da evasão. "Isso fez com que muitas pessoas postergassem a entrada na universidade, e também trancamento e abandono de cursos daquelas que já estavam matriculadas, isso por conta de perda de renda e de emprego", afirma.

O maior impacto dessa redução, conforme Capelato, é uma concorrência maior entre as instituições, já que a capacidade instalada é muito maior que o número de alunos. "Mas, mais que isso, há um prejuízo muito grande para o País, que já vem de muitos anos com um atraso histórico em relação à cobertura do Ensino Superior. Isso representa um prejuízo porque o desenvolvimento econômico e social de um país passa necessariamente pelo nível de escolaridade de sua população", conclui.

NÚMEROS

80
Mil alunos deixaram de ingressar em faculdades particulares no Brasil em 2018

25%
É, aproximadamente, a taxa de evasão nas instituições privadas de ensino superior no CE

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