Na tarde da última quarta-feira, o juiz-auditor militar Jocleber Rocha Vasconcelos tomou o depoimento de três oficiais do Exército. São as primeiras testemunhas do processo militar sobre o crime cometido pelos soldados. Foram ouvidos o tenente-coronel Sérgio Ricardo Tolomelli, comandante do 10º Depósito de Suprimentos (Dsup), o major Bruno Tadeu Paiva, comandante da unidade onde aconteceu o furto, e o também major Leonardo Carneiro Almeida, que conduziu a investigação militar.
A narrativa feita pelos oficiais, durante os depoimentos, dá detalhes da ousadia de Maycon e Adailson. No primeiro dos dois furtos, foram levados 3 mil cartuchos. Dos calibres 9 mm e 7.62, para submetralhadoras e fuzis, respectivamente. Os soldados lembraram de usar luvas para evitar digitais. Retiraram tampas de alguns cunhetes e recolheram sacos com as balas.
Fecharam as caixas esvaziadas e tiveram o cuidado de recolocá-las %u201Cperfeitamente ordenadas%u201D entre as não violadas. Nem tiveram receio de um possível flagrante da ronda de inspeção feito dentro da unidade militar. Usaram um quarto de hora da vigília. A 2ª Companhia de Suprimentos é sediada numa ampla área militar que abriga duas fazendas - a Jardim e a Penedo. O local abriga treinamentos diversos.
Nos dias seguintes, as munições foram oferecidas em uma comunidade de Maranguape. Maycon e Adailson venderam os 3 mil cartuchos por módicos R$ 1.500. %u201CPara organizações criminosas%u201D, segundo a investigação. O POVO apurou que, no mercado clandestino, a bala calibre 9 mm, para submetralhadora, custa até R$ 10. A de fuzil 7.62 sai a R$ 25. Alguns dias depois, sem a falta das munições notada, nova retirada. Desta vez bem mais: 13.500 cartuchos %u2013 agora incluindo os de calibre 12, para escopeta. Deixaram escondidas próximo à caixa d%u2019água da unidade.
A investigação chegou ao nome de Auricélio Morais de Souza, o %u201CCelinho%u201D. Membro de uma facção local e atualmente detento da CPPL-1, em Itaitinga, teria sido para ele a encomenda da segunda quantia furtada. Um intermediário, Antônio Ergoges Martins Gomes, teria feito a negociação com os dois soldados. Foi Ergoges, segundo o Inquérito Policial Militar (IPM), que entrou de carro, por uma estrada no local, para recolher a segunda leva do furto.
O Fox é registrado no nome da mulher de Celinho, Teresinha de Jesus Severina da Silva. Foi ela, conforme a investigação, que repassou a escritura de um terreno para Adailson. A paga pelos cartuchos também incluiu uma moto seminova e uma quantia em dinheiro. Maycon não teria aceitado receber R$ 2.500 de Adailson por sua metade do segundo furto (6.750 cartuchos). O furto foi detectado dia 29 de dezembro. Teria havido janela de dez dias desde a ação dos soldados. Com a ajuda da Coordenadoria de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública (Coin-SSPDS), a munição %u201Cde Maycon%u201D foi achada na casa de um ex-namorado da mãe. Estava em sacos de ração para cães. Foi a única quantia de munição recuperada. Quando recolheram seu celular, Maycon confessou. Havia conversas dele com Ergoges e Adailson sobre o trato feito. %u201CChorou e confessou%u201D - disseram o major Paiva e o tenente-coronel Tolomelli. No armário de Adailson, dentro de um sapato velho, estavam os R$ 2.500 que tentou repassar a Maycon.
No fim do depoimento, Tolomelli chegou a subir o tom de voz. %u201CFoi um plano ardiloso. Houve uma traição. O Adailson era tido como um soldado apagadão, como se diz na caserna. Mas o Maycon, se dizia que ele iria engajar (seguir carreira militar), o que aumenta a traição%u201D. Desde que confessaram o crime, os dois soldados seguem presos preventivamente. Eles têm 19 anos. Deverão ser expulsos do Exército. Ergoges não foi localizado e está sendo julgado à revelia. Teresinha está em prisão domiciliar. Celinho segue preso na CPPL-1.
Novas testemunhas serão chamadas. Os réus só serão ouvidos na última fase do processo.
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