sexta-feira, 9 de março de 2018

Jungmann quer regras para diferenciar traficantes e usuários

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, quer mais clareza na distinção entre traficantes e usuários de drogas. Para ele, decisão sobre o assunto pode reduzir a superlotação dos presídios. Na manhã de ontem, Jungamann se reuniu com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, e pediu que a discussão fosse pautada em plenário “o mais rapidamente possível”.

“O Brasil prende muito, mas prende mal. Temos muitas penitenciárias e presídios cheios de pessoas que cometeram pequenos delitos, enquanto grandes barões e traficantes, aqueles que sequestram, matam, dominam o território, não conseguimos colocar em presídios de segurança máxima. E isso é insustentável”, declarou o ministro, após o encontro.A atual legislação não traz critérios claros para definir se um portador de droga será enquadrado como usuário ou traficante. Essa decisão depende do juiz, com base em elementos como quantidade apreendida de drogas, local da ocorrência e antecedentes do portador.
“Como a lei não traz essa quantidade, fica muito difuso, ao arbítrio de cada juiz, de cada Corte, de cada Vara, estabelecer quem é usuário e quem não é”, criticou o ministro.

Desde 2015, está em aberto no STF o julgamento de uma ação que pode descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. Porém, a apreciação da Corte foi interrompida desde o ano passado e depende do voto do ministro Alexandre de Moraes para dar seguimento ao caso. Moraes disse ontem a Jungmann que daria o voto “em breve”.

O interesse do ministro da Segurança Pública causa insatisfação em parlamentares da chamada “bancada da bala”. O deputado Vitor Valim entende que, ao levantar essa discussão, o ministro “põe em xeque” o trabalho de juízes, promotores e policiais. “O problema do sistema carcerário não é porque usuários de drogas estão sendo presos por engano. A gente vê muito claramente a diferença no flagrante”, diz o parlamentar, que considera a medida “politicamente correta”.

Na avaliação de Chico Alencar (Psol-RJ), tornar a diferenciação entre usuário e traficante mais nítida é “positivo”, mas não basta. “É preciso ter uma nova política de drogas, porque só a mera repressão, como tem acontecido, não dá conta do problema que é psicossocial, de saúde pública”, considera.

Para Leandro Vasques, presidente do Conselho Estadual da Segurança Pública, a proposta do ministro já é sustentada por especialistas “há muito tempo” e é entendida como “providencial”. “A legislação merece uma reavaliação na tentativa de eliminar, não por completo, mas minimizar os erros interpretativos e subjetividades da análise”, defende.

Márcio Victor Albuquerque, presidente da Comissão de Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE), concorda que os critérios devem ser mais claros, entretanto diz que as investigações não podem ser esquecidas. “O mais adequado é que haja uma apuração, outiva de testemunhas, além da própria perícia para haver uma indicação se seria tráfico ou não. O que se nota é que há uma dificuldade da própria Policia em investigar por falta de estrutura, equipamentos e outras carências”, pontua.

“A gente sabe que no sistema penal brasileiro existem muitos que são enquadrados como traficantes e poderiam ser autuados como usuários. Essa mudança de visão da segurança pública traz um alento”, une-se o sociólogo Marcos Silva, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV-UFC). Para ele, a proposta pode reduzir a superlotação do sistema prisional, mas não resolve a questão. “É preciso rever também a morosidade do sistema de justiça. Muitos presos que poderiam estar soltos continuam presos em condições que não funcionam adequadamente”, critica.
Com agências

LEI DE DROGASA legislação de 2006 institui a política nacional sobre drogas e estabelece normas para reprimir a produção e o tráfico de drogas, substituindo lei anterior de 1976. Como é a punição?PARA O USUÁRIOA legislação entende que estes casos devem ser tratados no âmbito da saúde pública. O usuário pode ser preso em flagrante e deve cumprir pena alternativa: advertência, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de cumprir medidas educativas. Também assina termo circunstanciado perante juiz ou autoridade policial.PARA O TRAFICANTEÉ submetido a pena de cinco a 15 anos de prisão. O entendimento é o mesmo para quem importa, exporta, guarda droga cultiva matéria-prima para o tráfico e fornece, ainda que de graça. O crime é considerado hediondo. Como se diferencia hoje?O texto da legislação se prende a critérios subjetivos para decidir como enquadrar o infrator na categoria de usuário ou traficante. Na prática, a distinção fica a cargo dos juízes, que se baseiam em elementos como natureza e quantidade de droga, local e condições da ocorrência, conduta e antecedentes do portador.

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