A criminalidade tem mãe. Dentro dos grupos criminosos, nas comunidades dominadas pelo tráfico, nos centros socioeducativos e sistema prisional, mãe é sinônimo de respeito. Um paradoxo que não consegue evitar que cada vez mais crianças e adolescentes se envolvam com o crime, morram, sejam ameaçados. A mesma força que exalta a maternidade, tira dela o que é mais importante, a proteção dos seus. Como driblar os perigos, enfrentar a pobreza, a ausência do Estado e blindar os filhos dos perigos que o crime organizado oferece?
“Eu sou mãe de um adolescente e estou lutando, pelejando e sofrendo para que ele não entre no crime e nas drogas. Meu filho não está dentro de nada, mas o envolver da comunidade que nós moramos, os coleguinhas, muitos já são envolvidos. Vou trancar ele dentro de um quarto, para ele não dizer um
‘Oi, colega? E aí, chapa’?. Não posso fazer isso”, responde uma mãe, aflita, moradora de uma das comunidades mais carentes da Capital. O que ela pode - e faz - é pedir a Deus, conversar com o filho e levá-lo à escola todos os dias. “Queria botar ele num curso, mas onde, se não tem?”, cutuca o poder público.
De forma sintomática, a filha de seis anos de uma outra mulher do mesmo bairro quer ser policial. “Para matar os bandidos. Ela vê a violência, escuta falar que fulaninho morreu e aí depois, quando é conhecido, pergunta porque morreu, como… É como se ela entendesse que aquilo não era para acontecer”, conta a mãe. O filho mais velho, de oito anos, quer ser pedreiro, igual ao pai. “Ele é rebelde, já nessa idade. Mas eu converso muito com ele, digo que se for assim, não dou isso ou aquilo… e assim vamos vivendo.
Queria um bom futuro para eles, com estudo bom”, projeta a mãe.
“É difícil imaginar que uma mãe, sobretudo na periferia, que precisa trabalhar, muitas vezes foi abandonada pelo pai (da criança), tenha gerência, condições estruturais e psicológicas, consiga proteger os filhos desses grupos”, avalia o professor do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da UFC, Luiz Fábio Paiva. Os grupos são as facções criminosas, organizadas e competentes quando o assunto é atrair e dominar. O POVO conversou com algumas mães sobre seus anseios e tentativas pelos filhos e constatou de perto o medo e a rotina perigosa dentro de algumas comunidades.
Os relatos são de que as facções espancam na rua aqueles que batem na mãe. Dentro do sistema socioeducativo, mãe é uma figura quase divina, é motivo de paz e tema dos mais delicados a se tratar. “Esses grupos têm um desejo de ter preponderância sobre a vida dos associados, quase como uma família. Eles buscam construir sua legitimidade com a ideia de proteção da comunidade, como a proteção das mães”, analisa o professor do LEV. As mães “protegidas” embutem essa superioridade, mas não podem vacinar o filho no posto do bairro vizinho, não conseguem matriculá-lo na escola que fica embaixo do morro, não têm permissão sequer para ver o corpo do filho morto.
Apesar dessa realidade, a missão é sempre delas. Em meio aos milhares de jovens apreendidos por cometerem atos infracionais, as mães são a única possibilidade de volta à cidadania. A culpa também encontra a figura materna. É preciso ter autoridade, saber responsabilizar o filho, promover o aprendizado do que é bom. Entre as tantas tarefas, os diversos papéis, um vínculo da natureza, do amor supremo. É muito pra dar conta, sem contar o trabalho, a casa, outros filhos, o marido, os pais...
A psicóloga do Núcleo de Atendimento Jurídico Especializado do Adolescente em Conflito com a Lei (Nuaja), da Defensoria Pública do Ceará, Isabelle Barbosa Nogueira, destaca como é difícil para uma mãe prevenir que os filhos não se envolvam em atos infracionais, sobretudo em locais dominados pela criminalidade. “Algumas situações são muito naturalizadas nas comunidades. Mesmo que aquela família tenha as coisas com suor, esses meninos crescem vendo as pessoas esbanjarem dinheiro de forma ilícita. Ao mesmo tempo que veem a mãe trabalhando sob péssimas condições, ganhando o mínimo para sobreviver”, compara a psicóloga.
A especialista frisa que a consciência materna sobre os atos cometidos é fundamental para a ressocialização dos meninos e meninas. “Um adolescente que é apreendido aos 16 anos já foi se desgarrando aos 12,13 anos. Ficando mais tempo na rua. Quando a mãe se atenta, ele já fez muita coisa. Já tem uma malícia que ela ainda não tinha percebido”, avalia a psicóloga.
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