segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Miro Teixeira: a decepção do decano na Câmara dos Deputados

Miro Teixeira é um carioca de 73 anos, mais da metade dos quais vividos como deputado federal. Está na Câmara desde 1971, quando chegou para seu primeiro mandato, e admite, pessoalmente, enfrentar um dos momentos mais tristes na vida pública pela situação de descrédito que enfrenta a Casa, que diz amar. O plano dele para 2018 é de não voltar a Brasília, priorizando uma candidatura ao governo do Rio de Janeiro. Nesta conversa com O POVO, por telefone, fala das razões do seu desencanto com o Congresso, dos momentos históricos vivenciados em mais de quatro décadas (quase ininterruptas) no parlamento, cita líderes políticos que considera fazerem falta aos dias atuais e defende a recente decisão do presidente Michel Temer de intervir na segurança pública do seu estado, mesmo não confiando no emedebista, conforme faz questão de ressaltar. Responsável por trazer ao Brasil o debate sobre a lei de colaboração premiada, que terminaria implantada, avalia que o instituto está sendo bem aplicado na Lava Jato e diz que a operação criou uma nova escola de direito penal, exemplar para o mundo., Confira a entrevista:

O POVO – Qual Congresso o País tem hoje, deputado??
Miro Teixeira - Um Congresso que desmente o doutor Ulysses (Guimarães), que dizia que o próximo Congresso será sempre o pior. Pois eu digo que o próximo Congresso será melhor do que esse, não há possibilidade de ser pior.
OP – Chegamos ao fundo do poço, então??
Miro Teixeira – Isso não se sabe, porque o poço pode ser mais fundo do que imaginamos. Agora, chegamos ao ponto em que os parlamentares passaram a ser obedientes, simplesmente, aos órgãos partidários e à mesa diretora. Parece que existe uma dependência enorme, não revelada e que nós não conseguimos descobrir, porque nunca vi mandatos parlamentares serem tão desacatados pela direção da Câmara. E fica tudo por isso mesmo! Em outras épocas isso tudo refletia-se, lamentavelmente, até, em brigas terríveis, mas hoje é uma passividade revoltante.

Submissão

OP – Posso dizer que o senhor considera fazer parte, hoje, do pior Congresso de seus 40 anos como parlamentar??

Miro Teixeira – É uma contradição porque você tem pessoas excelentes, tem deputados de grande formação profissional e que, no conjunto da política, acabam formando um dos piores Congressos, não vou dizer nem o pior. É um Congresso muito submisso ao poder Executivo, ao presidente da República, é submisso aos ministros de Estado, é submisso a tudo, menos ao povo. .
OP – Na avaliação do senhor, o que é que nos trouxe a essa situação, o que foi determinante para se chegar ao estágio de hoje??
Miro Teixeira - A desqualificação da política é um equívoco. O que é necessário desqualificar são os políticos que cometem os crimes conhecidos, de corrupção, de roubo de dinheiro público. É curioso que quando se trata de políticos ou outras autoridades as palavras ficam mais bonitas, mas a rigor é roubo, como é roubo levar quinquilharia, levar gado, é roubo: O roubo não existe por causa da política, existe por causa do ladrão. A corrupção existe por causa do corrupto, então, é preciso parar com essa cerimônia na linguagem e definir corretamente as coisas. O que nós temos é uma política invadida pelas organizações criminosas, uma inversão. O Ministério Público fala que a política é composta por membros de organizações criminosas, mas não é não. A política é uma senhora digna, respeitável, agora, está invadida, ocupada, por alguns políticos que representam organizações criminosas. Os quais, felizmente, começam a ser descobertos e a cumprir pena.
OP – Na memória de quatro décadas como parlamentar, qual o melhor Congresso do qual o senhor considera ter participado??
Miro Teixeira – Não, não dá pra comparar. Porque tivemos a Assembleia Nacional Constituinte, que é algo para se guardar na memória a vida toda. Os debates parlamentares da Constituinte são dignos, inesquecíveis, não há essa discussão de somenos importância como estas que assistimos hoje na TV Câmara, não é? Eram debates fantásticos, tinha um Mário Covas, líder do PMDB, indo à tribuna para convencer a própria bancada porque não tinha tido tempo de conversar com os colega...Tinha o doutor Ulysses Guimarães, no ano da promulgação da nova Constituição, em 1988, dizendo em entrevista que não presidia um hospício, presidia a Assembleia Nacional Constituinte! Então, os debates eram duros e não eram de varejo, eram de atacado, e de expressões que indicavam uma coragem cívica. Hoje, lamentavelmente, prevalecem o lugar-comum, as coisas de baixa repercussão na vida do País, tudo muito temperado por mentiras e oportunidades.

Saudade 

OP – O senhor entenderia que a grande crise da política brasileira, hoje, deve-se à falta de lideranças? Lembremos, quanto à Câmara, que há dois ex-presidentes recentes (Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves) que se encontram presos.

Miro Teixeira – O problema é que o modelo partidário é diferente, mudou. O dinheiro estragou a política, transformaram os partidos em verdadeiras empresas, onde o objetivo é o lucro. Os políticos de antes, como (Franco) Montoro, Covas, Tancredo (Neves), (Leonel) Brizola faziam política pela política, pelo bem estar do povo. Não ficavam esperando a contribuição do dinheiro público para sustentar as suas necessidades partidárias. Era comum ver esses políticos relevantes viajando em aviões de carreira, quando era hora de passeata íamos em cima de caminhões mesmo. Os hábitos mudaram muito, ficou algo aristocrático, quando, naquela época, o político era uma expressão da sua popularidade, andava junto do povo.

OP – As mudanças previstas para o período eleitoral de 2018, com especial destaque para o fim da contribuição privada, poderão mudar alguma coisa nesse cenário político tão ruim? O senhor acredita?
Miro Teixeira – Não, porque o dinheiro deveria ser distribuído por igual entre os partidos e o que aconteceu foi a realização de um grande acordo para aprovação do projeto que dá o grosso dos recursos para PMDB, PSDB, PT e DEM, restando as migalhas para os outros. Acho, inclusive, que esse é um assunto que deve ser levado ao Supremo Tribunal Federal porque impede a igualdade de oportunidades.
OP – A proibição de dinheiro privado na campanha eleitoral não é, em si, uma oportunidade de limpar mais esse cenário que o senhor diz ter corroído a política?
Miro Teixeira – – Essa é uma conversa do PT. O PT diz que só existe corrupção porque existe o financiamento privado, mas, repito, a corrupção existe porque existe o corrupto! O roubo existe porque existe o ladrão. Existem empresários que contribuem com campanhas eleitorais porque querem um País no qual sejam respeitados os contratos, porque querem uma democracia consolidada, isso existe. Agora, confundiram as coisas deliberadamente como um instrumento de defesa, colocaram na cabeça das pessoas que o financiamento eleitoral é que causa a corrupção. Eu te pergunto: esses diretores da Petrobras que foram apanhados com 100 milhões, 150 milhões de dólares, eram candidatos a quê? Isso é roubalheira, pura e simples!
OP – O senhor não entende, de qualquer maneira, que os acontecimentos recentes com a Lava Jato etc devem gerar um cuidado maior dos financiadores para não acabarem expostos em situação de ilegalidade?
Miro Teixeira - O financiador preocupado com o País não vai contribuir como pessoa física, conforme está autorizado pela lei, ele vai ter medo de ser esculachado etc. Já quem já faz caixa dois o fará com desembaraço ainda maior e com mais êxito, até, ou seja, a gente pode ter um resultado ainda pior.
OP – O senhor é candidato à reeleição como deputado agora em 2018, na busca de mais um mandato na Câmara?
Miro Teixeira – Sou pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro. .
OP – Repetindo 1982?
Miro Teixeira – Sim, isso. Estou animado com o apoio dos companheiros.

Eleição

OP – Não seria um desafio grande demais, deputado? Além dos problemas graves de segurança pública, que levaram à recente decretação de intervenção federal no setor, o cenário financeiro é dos mais dramáticos.

Miro Teixeira – A ideia é essa. Tenho onze mandatos e não posso chegar agora e dizer que não é comigo. É comigo! Quero ajudar a resolver a questão do estado e tenho certeza que posso, venho conversando com outros partidos e não é uma candidatura inamovível, se houver um nome que una mais e que tenha como compromisso central a recuperação do Rio de Janeiro terá o meu apoio. Não é um projeto de ambição pessoal governar o Rio de Janeiro, é um desafio. E eu topo.
OP – Também não é uma missão impossível.
Miro Teixeira – É coisa de menos de dois anos..
OP – Para reverter a crise no Rio?
Miro Teixeira – Para recuperação do estado. Você examinando as contas observa que se deu muita isenção tributária. Normalmente se gosta de ver as contas pelas despesas, mas é preciso olhar também para as receitas, considerando ainda as receitas que deixaram de ser havidas. Foi muito favorecimento, muito privilégio para empresas, para empresários, não se desenvolveu polos de estímulo aos jovens para fazerem os seus aplicativos. O Rio tem a maior concentração de universidades públicas do País, temos como fazer do estado um centro de formação tecnológica importante.
OP – Na hipótese da candidatura ao governo estadual não se viabilizar, o projeto é de tentar reeleição?
Miro Teixeira – Isso depende das conversas, não apenas dentro da Rede, mas também dos nossos aliados. Depois, é preciso verificar que tipo de aliança pretendemos fazer.
OP – Pergunto mais no sentido pessoal, considerando as decepções com o atual momento do Congresso. Isso pode fazer com que o senhor desista de tentar novo mandato na Câmara?
Miro Teixeira – Eu amo a Câmara dos Deputados e odeio aqueles que levam essa instituição à perda de prestígio. A Câmara dos Deputados é o cenário onde o povo brasileiro vai encontrar sua redenção, tenho certeza.
OP – O senhor foi, durante cerca de dois anos, ministro das Comunicações no primeiro governo Lula. Quais são as diferenças mais fortes que observa quando se é de um de outro poder, do Executivo e do Legislativo?
Miro Teixeira – No Executivo você leva muito menos tempo para botar uma ideia em prática, enquanto no Legislativo há uma disputa de vaidades enorme, tem uma postura de submissão dos deputados, até porque, quem não se sujeitar a isso tem seus projetos boicotados. Quem bajula é premiado, quem não bajula é mal visto.
OP – Qual é a grande marca da trajetória que Miro Teixeira poderá deixar como deputado, considerando desde quando tudo começou lá no ano de 1971?
Miro Teixeira – A colaboração premiada. Não existia no Brasil, existia em quase toda parte do mundo, e em 1989 instalei a comissão com objetivo de trazer para o País essa legislação, que tanto resultado tem trazido para as investigações hoje em curso. Então, a colaboração premiada, chamada de delação, indevidamente.....

Delação


O POVO – O senhor tem alguma crítica à aplicação dela, porque existem correntes considerando que a prática tem sido distorcida em muitos momentos no Brasil?

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