sexta-feira, 31 de março de 2017

Um recomeço após 16 anos encarcerada pela família

Após ser mantida desde os 20 anos em condições insalubres num mesmo quarto, Maria Lúcia de Almeida Braga, agora com 36 anos, recomeça a ter uma vida em comunidade. Na Serra do Retiro, no município de Uruburetama (a 127 km de Fortaleza), a casa onde agora é acolhida não é tão distante daquela onde ficou isolada pela própria família. Tem falado mais nos últimos dias, dizendo “vou para casa” e se dirigindo ao novo lar, ou repetindo palavrões que estava acostumada a ouvir. Aos poucos, vai retomando hábitos que lhe foram privados, como usar o vaso sanitário e ir à calçada.

Desde a última sexta-feira, 24, Lúcia está na casa de Maria de Fátima Araújo, de 56 anos. Na teoria, são só elas duas na casa. Mas, durante o dia, os moradores do distrito de Retiro fazem visitas constantes para ajudar com alimentos, lenha para o fogão ou para ficar com Lúcia enquanto a cuidadora precisa sair. “A gente faz o que pode e o que está ao nosso alcance. E a gente precisa ter muita paciência para cuidar dela. É como uma criança”, comparou Maria de Fátima.

Antes, Lúcia estava em casa a poucos metros dali, com Teresa Maria, 42, que trabalha como cuidadora de idosos. “O começo foi difícil. Ela queria comer e ia colocar a mão dentro da panela de arroz sem saber que estava quente”, relembra. Correr pelo interior da casa e deixar cascas de fruta no chão também foram comportamentos dos primeiros dias. Uma convivência que, segundo Teresa, tem melhorado com os dias.

O resgate de Maria Lúcia foi feito por policiais no último dia 8 após denúncia de que ela era mantida há seis anos em um quarto sem banheiro. Na investigação, veio a constatação de que a situação acontecia há 16 anos, quando Maria Lúcia engravidou e começou a ser isolada — ainda durante a gestação. Ela teria apresentado problemas psicológicos após o término do primeiro relacionamento.
Na quarta-feira, 29, o irmão dela, João Almeida Braga, 48, foi preso sob acusação de cárcere privado e maus-tratos.

O caso está sendo acompanhado pela equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) do Município em parceria com o Conselho Tutelar. Ela foi levada ao Creas logo após o resgate, na sede do Município. E ficou internada no hospital municipal por três dias, até que a equipe encontrasse lugar para Lúcia na casa de Teresa, conforme a coordenadora do Creas, Irene Braga.

Excluída do convívio social e carente de afeto, a vítima respondeu ao trauma retraindo as habilidades de comunicação, relata Nickolas Bastos, psicólogo do Creas. Na abordagem do caso, o próximo passo é conseguir atendimento psiquiátrico para ela em Itapipoca, pois o serviço não existe em Uruburetama.

A equipe trabalha para que haja consulta na próxima semana. O transporte será custeado pelo Município, afirma Irene Braga. Outra providência a ser tomada é dar entrada para que Lúcia tenha direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio da Previdência Social para idosos e pessoas com deficiência.  

Saiba mais
O caminho da sede de Uruburetama até o povoado, na Serra do Retiro, é de 15 quilômetros. Uma distância que parece bem maior pela repetição das curvas feitas no calçamento em constante subida. Também conhecido como Estrada dos Bananais, o trajeto raramente apresenta moradias. 

No distrito de Retiro, o sítio onde mora a família de Maria Lúcia é encontrado após um caminho de difícil acesso saindo da estrada e feito apenas a pé. Chegar até lá é mais difícil em dias chuvosos. O acesso à comunidade onde Maria Lúcia foi acolhida é mais adiante, continuando a subida da serra. A vizinhança é composta de casas, comércios e igreja, em rua pavimentada com calçamento. 
THAÍS BRITO

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