Após ser mantida desde os 20 anos em condições insalubres num mesmo quarto, Maria Lúcia de Almeida Braga, agora com 36 anos, recomeça a ter uma vida em comunidade. Na Serra do Retiro, no município de Uruburetama (a 127 km de Fortaleza), a casa onde agora é acolhida não é tão distante daquela onde ficou isolada pela própria família. Tem falado mais nos últimos dias, dizendo “vou para casa” e se dirigindo ao novo lar, ou repetindo palavrões que estava acostumada a ouvir. Aos poucos, vai retomando hábitos que lhe foram privados, como usar o vaso sanitário e ir à calçada.
Desde a última sexta-feira, 24, Lúcia está na casa de Maria de Fátima Araújo, de 56 anos. Na teoria, são só elas duas na casa. Mas, durante o dia, os moradores do distrito de Retiro fazem visitas constantes para ajudar com alimentos, lenha para o fogão ou para ficar com Lúcia enquanto a cuidadora precisa sair. “A gente faz o que pode e o que está ao nosso alcance. E a gente precisa ter muita paciência para cuidar dela. É como uma criança”, comparou Maria de Fátima.
Antes, Lúcia estava em casa a poucos metros dali, com Teresa Maria, 42, que trabalha como cuidadora de idosos. “O começo foi difícil. Ela queria comer e ia colocar a mão dentro da panela de arroz sem saber que estava quente”, relembra. Correr pelo interior da casa e deixar cascas de fruta no chão também foram comportamentos dos primeiros dias. Uma convivência que, segundo Teresa, tem melhorado com os dias.
O resgate de Maria Lúcia foi feito por policiais no último dia 8 após denúncia de que ela era mantida há seis anos em um quarto sem banheiro. Na investigação, veio a constatação de que a situação acontecia há 16 anos, quando Maria Lúcia engravidou e começou a ser isolada — ainda durante a gestação. Ela teria apresentado problemas psicológicos após o término do primeiro relacionamento.
Na quarta-feira, 29, o irmão dela, João Almeida Braga, 48, foi preso sob acusação de cárcere privado e maus-tratos.
O caso está sendo acompanhado pela equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) do Município em parceria com o Conselho Tutelar. Ela foi levada ao Creas logo após o resgate, na sede do Município. E ficou internada no hospital municipal por três dias, até que a equipe encontrasse lugar para Lúcia na casa de Teresa, conforme a coordenadora do Creas, Irene Braga.
Excluída do convívio social e carente de afeto, a vítima respondeu ao trauma retraindo as habilidades de comunicação, relata Nickolas Bastos, psicólogo do Creas. Na abordagem do caso, o próximo passo é conseguir atendimento psiquiátrico para ela em Itapipoca, pois o serviço não existe em Uruburetama.
A equipe trabalha para que haja consulta na próxima semana. O transporte será custeado pelo Município, afirma Irene Braga. Outra providência a ser tomada é dar entrada para que Lúcia tenha direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio da Previdência Social para idosos e pessoas com deficiência.
Saiba mais
O caminho da sede de Uruburetama até o povoado, na Serra do Retiro, é de 15 quilômetros. Uma distância que parece bem maior pela repetição das curvas feitas no calçamento em constante subida. Também conhecido como Estrada dos Bananais, o trajeto raramente apresenta moradias.
No distrito de Retiro, o sítio onde mora a família de Maria Lúcia é encontrado após um caminho de difícil acesso saindo da estrada e feito apenas a pé. Chegar até lá é mais difícil em dias chuvosos. O acesso à comunidade onde Maria Lúcia foi acolhida é mais adiante, continuando a subida da serra. A vizinhança é composta de casas, comércios e igreja, em rua pavimentada com calçamento.
THAÍS BRITO
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