Quatro chalés coloridos com sala de estar, dois banheiros e quatro quartos cada um. Ao redor deles, campo de futebol, sala de jogos, enfermaria, refeitório e plantas espalhadas para dar corpo ao jardim. Poderia ser lugar de veraneio, mas o cenário descrito pertence ao Centro de Semiliberdade Mártir Francisca, no bairro Sapiranga, em Fortaleza. Na contramão dos centros socioeducativos onde rebeliões de jovens em conflito com a lei acontecem por condições precárias de internação, há unidades que funcionam efetivamente e que são referência para o restante do sistema.
Quando chegou ao Mártir Francisca, após passar 45 dias no centro São Francisco e outros 45 no São Miguel, à espera de audiência, Francisco, 18, ficou impressionado com a diferença entre os locais. “Eu digo lá em casa que hoje ele está numa mansão”, revela a mãe do jovem. Em comparação às outras unidades que abrigaram o filho por participação em roubo, ela relata, com a voz embargada: “Ele apanhava, ficava sem comer, de castigo, sem roupa, num quarto sem nada”.
Para a coordenadora dos centros socioeducativos do Estado, Mariana Abreu, a estrutura física adequada é essencial para que as medidas funcionem e disciplinem corretamente os adolescentes. No caso do Mártir Francisca, onde jovens de 12 a 21 anos cumprem pena em regime de semiliberdade por seis meses, a ordenação e limpeza é responsabilidade dos internos, que participam de atividades produtivas, esportivas, culturais e de iniciação profissional.
“Eles recebem um manual que explica direitos e deveres e, toda sexta-feira, avaliam como foi a semana: se têm queixa de algum profissional, alguma sugestão, e a gente discute o que é possível atender”, diz a diretora da unidade, Maria Célia Girão.
“O índice de ressocialização num centro como esse é um espetáculo”, avalia o juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude, Manuel Clístenes. “O adolescente cumpriu a medida, a gente manda para um (regime) aberto e dificilmente ele volta. Só volta se tiver um alto comprometimento com drogas ou com a família”, considera.
Aldaci Barbosa
Das 16 unidades socioeducativas do Estado, somente a Mártir Francisca e o Centro Educacional Aldaci Barbosa, no bairro Padre Andrade, podem ser considerados bons exemplos de estrutura e gestão, segundo Clístenes e a assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Natália Castilho.
No Aldaci Barbosa, são mantidas por até três anos jovens de 12 a 18 anos, apreendidas sob regimes provisórios, fechados e semifechados de internação. Para a diretora da unidade, Elisa Barreto, trabalhar com contingente populacional dentro da capacidade permite que as medidas socioeducativas causem o efeito desejado.
Transferência
A Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) divulgou ontem que encerrou, na última quinta, 19, a transferência de 37 jovens que estavam na unidade socioeducativa transitória instalada no antigo Colégio Salesiano Dom Lustosa, no bairro Damas. Eles foram para centros educacionais em Fortaleza.
Os jovens estavam lá desde rebelião em unidades do Passaré.
Saiba mais
O que é preciso para um centro socioeducativo funcionar de forma correta?
- Atender a, no máximo, 40 adolescentes em regime de internação e 20 em semiliberdade;
- Não ter estrutura de presídio. O centro precisa parecer como uma casa ou mesmo como uma escola;
- Preencher o dia do adolescente com atividades pedagógicas, esportivas, culturais, de lazer e de iniciação profissional.
Medidas alternativas à internação
1 - Liberdade assistida
Como funciona? O adolescente é acompanhado por uma pessoa capacitada que deve orientar a ele e sua família, bem como supervisionar seu rendimento escolar e aconselhar sobre iniciação profissional.
Duração: até seis meses
2 - Prestação de serviços
Como funciona? Durante oito horas por semana, o jovem deve prestar serviços gratuitos a hospitais, escolas, comunidades ou projetos governamentais.
Duração: até seis meses
3 - Semiliberdade
Como funciona? O adolescente cumpre a medida tanto nos centros socioeducativos, com acompanhamento profissional, como em casa, sob a supervisão da família. Ele deve receber escolarização e profissionalização.
Duração: de seis meses a três ano
FONTE: Natália Castilho (Cedeca) e Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)
Fala, cidadão
Sonho
“É a sexta e última vez que fico aqui. Tô com um novo pensamento: quero sair pra treinar futebol. Vou dar o meu melhor, mas agradeço pelas oportunidades que tenho porque não é todo centro socioeducativo que faz isso. Um dia, um cara de fora veio, me viu jogar, perguntou pra diretora se eu tinha como treinar fora e ela autorizou. Já tava na hora de eu mudar de vida. Lá onde treino não parece que tô presa. Confiam em mim. E eu gosto dessa confiança. Não vou jogar fora.”
Samara, 17, interna do Aldaci Barbosa
Vida mudando
“Eu quero terminar meus estudos, fazer faculdade, dar um bom exemplo pra minha mãe, depois das coisas que eu fiz. Aqui eu faço textura e serigrafia. Aprendi tudo porque o professor ensinou. Também tô fazendo um curso de informática e tô indo bem. O professor disse que eu sou destaque. Mas o que eu mais gosto aqui é que me botaram num curso do Primeiro Passo. Minha vida tá mudando aqui dentro.”
Francisco, 18, interno do Centro de Semiliberdade Mártir Francisca
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