domingo, 27 de setembro de 2015

SERVIDORES FEDERAIS

Ajuste fiscal freia perspectivas de grevistas e serviços públicos

Paralisação do INSS, por exemplo, terminaria na sexta-feira, mas já dura 83 dias e afeta 15 milhões de brasileiros

00:00 · 27.09.2015 por William Santos - Repórter
No Ceará, servidores de 87 agências do INSS aderiram à greve nacional da categoria desde o dia 7 de julho ( Foto: Thiago Gadelha )
Na agência de portões fechados, apenas dois trabalhadores dividiam os atendimentos. Naquele horário, só entrava quem fosse tratar de pensão ou perícia médica. Não era o caso da doméstica Juliana Maria. Ela foi ao INSS para tentar agilizar o auxílio-doença do noivo, entregador de panfletos, que, depois de passar por uma cirurgia, está afastado do trabalho por três meses.
Três também é o número de vezes que Juliana foi à agência em busca do benefício. Por conta da greve dos servidores da previdência social, que já dura 83 dias, ficou, de novo, do lado de fora. "Eles têm os direitos deles, assim como nós temos os nossos. É muito difícil chegar (aqui) e ver essa situação. Está com 20 dias que o meu noivo fez uma cirurgia na cabeça e deveria estar recebendo auxílio-doença, mas como estão em greve, não sai. Ele está parado e precisa de medicamento, precisa ir ao médico. A gente fica sem saber para onde correr", diz.
No Ceará, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Trabalho e Previdência Social (Sinprece), 85% dos 2.500 servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aderiram à greve nas 87 agências da Capital e do interior desde 7 de julho. Nacionalmente, a abrangência chega a 90% dos 32 mil trabalhadores do órgão, acumulando, na outra ponta do balcão, 15 milhões de brasileiros que, assim como Juliana, esperam durante a paralisação.
Mobilização não termina
Por decisão dos trabalhadores, a greve nacional da categoria terminaria na última sexta-feira, quando seria assinado um acordo com o governo na sede do Ministério do Planejamento, em Brasília. A reunião, no entanto, foi adiada pelo Planalto para a próxima terça-feira (29).
Após a recusa da proposta de reajuste salarial de 21,3% nos próximos quatro anos pelos servidores, que pediam correção de 27,3%, a oferta que parece mais próxima de ser aceita corresponde a 10,8% de aumento gradual em 2016 e 2017. Diante do ajuste fiscal, nem todas as reivindicações cabem no orçamento, segundo o Governo Federal.
"O que o governo chama de ajuste, para nós, é retirada de direitos. No quadro caótico em que o PT colocou o Brasil, a gente entende que não dá para manter a greve durante seis meses. A nossa proposta é voltar ao trabalho e manter o estado de greve e a mobilização. Deliberamos aceitar o acordo que o governo propôs, ainda que esteja muito aquém do que merecemos e precisamos", afirma Carmen Lúcia Marques, diretora do Sinprece.
Outras categorias
Mas não são apenas os serviços do INSS que estão comprometidos por paralisações em vários estados - as greves incluem também outras categorias do funcionalismo público, como docentes e técnicos das universidades federais. No atual momento do País, qual é, então, a viabilidade de avanço das negociações?
"São diversas categorias de servidores e múltiplos órgãos enfrentando dificuldades para efetivação dos reajustes reivindicados. Cada órgão possui uma situação orçamentária diferente e única; por consequência, diferentes espaços para negociação", avalia Mauro Mastella, professor do curso de Gestão Pública da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs).
Ele pondera, porém, que "se um órgão estiver com sua situação orçamentária crítica, qualquer diferença percentual no reajuste fará a diferença no enquadramento daquele órgão nas atuais diretrizes para os gastos".
Em 2013, a despesa média da União com cada servidor e militar ativo foi de R$ 7.732 por mês, de acordo com o folder "Servidores Públicos Federais - Despesas e Remuneração 2014", publicado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) em 2014. O assessor técnico da Enap, Alessandro Freire, explica, contudo, que este valor não diz respeito apenas aos salários, mas também a despesas de outras ordens, inclusive patronais.
Distribuição
O pesquisador de administração e finanças Mauro Mastella, por sua vez, salienta que, nessa conta, os poderes da União são independentes e harmônicos entre si. "A distribuição das despesas médias por servidor também é afetada pela distribuição do número de servidores em cada setor. Setores com maior número de servidores tendem a ter um gasto médio menor".
Ele afirma, ainda, que "o funcionalismo público não é o único setor da administração pública impactado por este período crítico", mas reconhece que as eventuais falhas de gestão precisam ser identificadas e analisadas.
"No sistema orçamentário público, as despesas são fixadas e as receitas estimadas. Quando o ano fiscal é iniciado, as áreas e os valores onde ocorrerão os gastos já foram fixados, enquanto as receitas (tributárias e outras) são incertas. É um desafio à gestão. Em um cenário de recessão econômica, a arrecadação pode ser inferior ao previsto", explica.
Incertezas que geram receios. No INSS, segundo a diretora do Sinprece, uma das maiores preocupações da categoria é que, atualmente, 70% dos ganhos de um servidor correspondem a gratificações e apenas 30% dizem respeito ao salário-base. "Como estamos sofrendo uma recessão e uma crise financeira, a gente tem esse medo de ir dormir com uma gratificação de 70% e acordar sem ela", critica.
Carmen Lúcia Marques, assim como funcionários de outras categorias, também teme a proposta de retirada do chamado abono de permanência, benefício dado ao servidor que opte por continuar trabalhando depois de cumprir todos os requisitos para aposentadoria voluntária, no valor equivalente à contribuição previdenciária, até que complete as exigências para se aposentar compulsoriamente.

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